sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Adote um Gatinho ponto org ponto br

"Adote um Gatinho" começou seus trabalhos em 2003. As fundadoras são as paulistanas Susan Yamamoto e Juliana Bussab. Somente em 2007 a instituição foi oficializada como uma ONG. O trabalho consiste, basicamente, em resgatar bichanos abandonados ou que sofrem maus-tratos, cuidar para que restabeleçam sua saúde e encontrar um novo lar para eles.
Falando assim, parece fácil.
Utilize cinco minutos de raciocínio e você vai ver como não é.
Se sua imaginação não é das mais desenvolvidas, então visite o site delas: http://www.adoteumgatinho.org.br/. Preste atenção especial aos boletins. Ali, elas expõem os casos mais escabrosos. Assustador como o ser humano consegue agredir de forma tão covarde bichinhos que não têm como se defender. Existem ainda os abandonados, o que pode até não ser uma violência direta, mas demonstra uma covardia de igual dimensão.
O trabalho delas é fantástico. Têm seus empregos, mas dispensam várias horas livres resgatando gatos ou entregando-os aos novos donos.
Minha esposa é uma dessas novas donas. Entrou no site, respondeu ao questionário, marcou o dia e recebeu um gatinho tigrado das mãos da Susan. Pois é... o cuidado delas é tão grande que visitam pessoalmente cada lar de adoção para ter certeza de que estão entregando o animal a um ambiente saudável e seguro.
Engraçado mesmo é como o trabalho delas é menosprezado.
Eu estava esperando assistir à participação delas no programa do Jô Soares para escrever este post. Queria saber como ele trataria o assunto. Ok, concordo que o programa tem o único objetivo de entreter e, para isso, o Jô não se importa em humilhar, menosprezar, fazer piadas grosseiras e ignorar fatos. Contudo, não ser um programa de jornalismo e, sim, de entretenimento não justifica a indiferença a assuntos sérios.
"Sérios?!" – você poderia perguntar. Sim, sérios.
Ou você realmente acha natural a forma como esses animais são tratados por uma parcela assustadora da população? Quem tem o ímpeto de desferir uma paulada na cabeça de um bichinho desses demonstra que tipo de caráter? Vingador? Está vingando o quê? Um miado? Justiceiro, talvez? Desde quando maus-tratos a seres inocentes virou justiça?
O Jô tratou o assunto com desdém, desde a apresentação das meninas (fazendo um biquinho horrendo e falando como se estivesse falando com crianças mimadas) até a apresentação das fotos dos gatos maltratados, assunto a que não deu o devido respeito e reflexão. Ele chegou até a insinuar uma piada de mau gosto envolvendo o marido de Juliana (que estava na platéia) e castração.
Quero deixar claro que não defendo o trabalho delas só porque gosto de gatos. Eu gosto, sim, convivo muito bem com os dois aqui de casa. Mas também gosto de cachorros, pássaros, peixes, lagartixas... Não conseguiria matar um rato, se ele aparecesse por aqui. Defendo o trabalho delas e critico o descaso do Jô Soares por dois motivos: primeiro, é um trabalho nobre de defesa daqueles que não têm como se defender; segundo, Jô Soares, assim como Chico Buarque e outros “intocáveis”, não é infalível, por mais que muitos setores da imprensa tentem nos convencer disso.
Outra tecla sobre a qual quero bater: dizer que essas meninas poderiam estar usando essa energia para ajudar pessoas. Oras bolas... todos precisam de ajuda. Humanos, cachorros, gatos... Cada um sacrifica-se para ajudar conforme sua vocação! E não venha com essa conversa fiada de que o ser humano tem prioridade! Ele tem alguns milhares de anos de prioridade e veja o que anda fazendo com o planeta!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Evolução - 3

Esta é rápida.
Ainda existem pessoas que confundem evolução com carreirismo.
Evolução, do latim evolutione, biologicamente falando significa: processo de formação ou surgimento de novas espécies preexistentes. Consiste, basicamente nas mudanças necessárias à sobrevivência de uma espécie, adaptando-se a um meio ambiente, através da reprodução contínua, eliminando gradativamente os indivíduos cujas características não são ideais à situação.
Também se considera evolução como sinônimo de crescimento, melhoria.
Não sei quanto a vocês, mas considero evoluir, como ser humano, um processo de acúmulo de valores intelectuais. Adicionar conhecimento, habilidades, senso crítico etc.
Perseguição irracional de salário e promoção profissional não é sinônimo de evolução. No máximo, é carreirismo. Se suas promoções são conseqüências naturais de sua evolução como ser humano, parabéns a você. Se são resultados de buscas agressivas, sacrifícios pessoais e nulidade pessoal, preocupe-se. Você anda lendo muitos livros de auto-ajuda e dando ouvidos demais aos MBAs da vida. Melhore-se. Você não vai deixar muita coisa para trás, quando morrer. A melhor contribuição que você pode dar à posteridade é fazer parte do processo real de evolução da humanidade.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Catálogo da fauna do transporte público paulista -2

Lesma sem troco (Paradus catracus) – Um molusco. Habita especialmente os ônibus, principalmente na região das catracas. Alterna momentos de agilidade (no momento de adentrar o veículo, empurrando e furando filas) com a mais profunda e irritante inação (quando chega em frente ao cobrador). É facilmente reconhecida por carregar bolsas de várias camadas. Em geral, guarda na menor e mais escondida a nota de 50 reais com a qual pretende pagar por sua passagem, além do bilhete único, que deixa para retirar somente depois de guardar o sofrido troco.

Animais de estimação

Tudo muda quando se tem um animal em casa. Não é por nenhum motivo transcendental. Você simplesmente acaba se defrontando com sua própria origem. Afinal, o ser humano não passa disso mesmo... um animal. Não importa em que você acredite. Isso não muda.
Tenho ódio àqueles raciocínios em que se baseiam certos desocupados quando querem criticar alguém que tenha animais ou que se dedique a eles: “1 - Por que você não gasta esse dinheiro com uma criança, em vez de com esse bicho?” ou: “2 - Primeiro, temos que cuidar das pessoas, depois a gente pensa nos bichos!”.
Para os dois, as respostas:
1- Você não quer comparar o custo de se cuidar de um cachorrinho com o de se criar uma criança. Além disso, uma criança é criada para assumir seu papel na sociedade e contribuir com seu desenvolvimento. Um cachorrinho nasce, cresce e morre e ninguém, além do dono, precisa saber que ele existiu. E, para começo de conversa, quem disse que você tem o direito de dizer o que cada um deve fazer com o dinheiro que ganha? (A não ser que estejamos falando de criminosos e políticos corruptos. Mas, nestes casos, o dinheiro nem deveria estar nas mãos deles.)
2- Quanto a cuidar das pessoas em primeiro lugar... convenhamos. É o que estamos fazendo desde que surgimos neste planeta. Por isso ele está desse jeito. Não, eu não acho que essa espécie, que já passou dos 6 bilhões de exemplares, ainda tenha prioridade sobre todas as outras. Ela já colheu seu quinhão de destruição. O que o ser humano precisaria agora seria assumir suas responsabilidades com o meio ambiente.
Mas hei de concordar que existem certas... excentricidades.
No Animal Planet (canal por assinatura) há um reality show que mostra a vida de criadores de cães de competição. Um casal, em especial, chama a atenção. Eles criam galgos (aqueles cachorros magros, corredores). Um episódio foi especialmente perturbador. Eles estavam prestes a levar os cachorros a um dos concursos e resolveram contratar uma mulher que se dizia uma “doutora Dolittle” telepata. “Como eles estão se sentindo, agora que estamos perto do campeonato?”, perguntou a dona dos cães. “Eles sabem que tem algo se aproximando e estão ansiosos”, respondeu a leitora de mentes de cachorros. Perguntas vazias com respostas-padrão, criadas com o único objetivo de agradar ao cliente, que paga um montante de 700 dólares por consulta.
No programa do Fausto Silva, neste último domingo, surgiu uma gatoterapeuta. Não é uma terapeuta para as maluquices felinas. É mais uma guru de auto-ajuda, que tenta passar lições de autoconhecimento e amor-próprio através da observação do comportamento dos gatos. Não faltou nem a clássica: “Os gatos têm um sexto sentido...” Mais engraçado ainda foi quando um dos famosos, donos de gatos, entrevistados sobre seus bichinhos, disse que o olhar dos gatos parece perscrutar a alma de quem os fita. Deixe-me esclarecer uma coisa sobre isso: gatos têm olhares penetrantes por que são caçadores que tocaiam suas presas. Ou seja, observam, vigiam e atacam. Daí seu olhar penetrante e fixo.
Também tinha um criador profissional que mantinha um tigre. Até entrou na jaula e deu comida na boca do bicho. Terminou a apresentação dizendo que animais só precisam de respeito e carinho. Que a reação do bicho vem da forma como ele foi criado, como se fosse um computador vazio, cujo desempenho vai sendo moldado ao bel-prazer do dono. Pura irresponsabilidade. Animais são seres vivos. Dentro daquelas cabeças, existem cérebros que, mesmo menores do que os nossos, existem para auxiliá-los em sua sobrevivência. Pitbull é um ser vivo. Com plena capacidade para, um dia, escolher desobedecer a seu dono. Já vi treinadores dizendo que era impossível para um pitbull bem-treinado desobedecer as ordens do dono. Queria saber onde ele escondeu a tomada daquele cão. Até onde eu sabia, ele estava falando de um ser vivo, não de uma máquina cuja tomada se pode desligar.

domingo, 18 de novembro de 2007

Idéias

Não sei bem quando foi, mas a nova novela do horário nobre da Globo apresentou uma cena polêmica. O personagem interpretado por Stênio Garcia fazia um ataque para lá de racista contra o personagem de Lázaro Ramos. Não vi a cena. O que vi foi uma espécie de retrospectiva comentada no programa Vídeo Show. Eis um dos efeitos colaterais de se passar um feriado em casa. Você acaba assistindo a certas porcarias e jura que foi por falta de opção. A minha desculpa dessa vez foi estar na casa da minha sogra, onde não há TV a cabo. Se você quiser acreditar nisso, agradeço.
Mas não é sobre isso que quero falar. É sobre uma frase de Stênio Garcia durante seu depoimento sobre a cena que realizou. Em um determinado momento, ele descreveu as leis que regem o crime de racismo e soltou uma frase bastante intrigante. Foi mais ou menos assim: “Antes de ofender alguém por sua raça, pense bem, porque isso é crime...”
Interessantíssimo esse raciocínio. Quer dizer que o problema não é ter um insulto racista em mente, é tão somente expressá-lo? Isso é o que não pode?
Minha pergunta é a seguinte: Afinal, o que é que esse pensamento estava fazendo na sua cabeça, em primeiro lugar?
Racismo é uma mácula. Um tumor que cresce com a gente. Nasce dentro de nossa própria casa, inserido por nossa família. Nossas mães, pais, irmãos e irmãs mais velhos, tios, tias, primos e primas. Vovós e vovôs não ficam de fora. Mas isso é até compreensível. As idéias mais absurdas e idiotas são impressas em nossas mentes dentro de nossas próprias casas. Não nascem conosco, mas aprendemos.
Volto à tolerância. Concordo que é o primeiro passo. Mas não se engane, pensando que é suficiente. A imensa maioria utiliza a tolerância como uma muleta. Toleram as diferenças. Mas e o passo seguinte? O de renegar todo o lixo que aprendemos e apagá-lo de nossos espíritos?
O problema não é você guardar para si todas as idéias racistas que aprendeu com sua mãe. O problema é você ainda ter essas idéias.
Agora é uma hora tão boa quanto qualquer outra para começar a rever seus valores. Se me dá licença, eu tenho vários para revisar...

sábado, 10 de novembro de 2007

Catálogo da fauna do transporte público paulista – 1

Tartaruga Corcunda (Tartarugus encostus)
Espécie muito difundida. Pode ser encontrada em todos os sistemas de transporte público de São Paulo, do metrô ao carrinho de mão. Embora existam inúmeras subespécies, são facilmente identificáveis pela corcunda volumosa que carregam, com a qual obstruem corredores e catracas.
Suas corcundas não possuem nenhum tipo de ligação nervosa, por isso, não sentem quando são tocadas ou, o mais comum, tocam outros seres. Um hábito bastante comum das tartarugas corcundas é o de apoiar sua corcova sobre outros animais da fauna do transporte público.
Possuem audição e senso prático altamente deficitários. Também são analfabetos funcionais. Esta é a razão por que sempre ignoram os avisos, escritos e sonoros, para que coloquem as malditas corcundas à frente do corpo ao ingressarem nos trens e ônibus.

domingo, 4 de novembro de 2007

Evolução - 2

Existe um momento em “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, em que se discute a ilusão que é considerar o desenvolvimento tecnológico como sinal de evolução.
Realmente, não é!
Hoje, temos tecnologia suficiente para evitar muitos dos problemas que vão, eventualmente, consumir nosso planeta.
Poderíamos estar dirigindo automóveis elétricos ou mesmo a hidrogênio. Um engenheiro do Rio Grande do Sul circula com um carro movido a óleo de cozinha. No entanto, cá estamos nós, poluindo a atmosfera com nossos escapamentos alimentados por gasolina e óleo diesel.
Vou usar São Paulo como exemplo, só porque vivo nesta cidade e sinto na pele um de seus problemas. Qualquer um, em sã consciência, sabe que o trânsito de São Paulo segue em direção a um colapso. Cerca de 100 novos carros chegam às ruas por dia. A solução é evidente: melhorar o transporte público! O metrô já está defasado. Os trens, nem se fala. Os ônibus são uma piada. Onde estão os corredores de ônibus, os trens modernos, as linhas ampliadas, as ciclovias?
A internet e tantas outras tecnologias trazem a possibilidade de fazer conferências a distância. Mesmo assim, nunca se viajou tanto a negócios.
O computador trouxe facilidades. Eu, que trabalho em estúdio, em uma agência de propaganda, sei o que isso significa. Quando comecei, os layouts eram feitos com tintas e pincéis. Um trabalho que consumia quatro horas, hoje não leva mais do que meia hora. No entanto, nunca se trabalhou tanto. A jornada de trabalho, que deveria ficar mais branda, tornou-se muito mais pesada. A tecnologia, esperava-se, viria para facilitar a vida das pessoas. Para permitir que tivessem mais contato com seus entes queridos. Apesar disso, os pais estão cada vez mais ausentes.
Tantos métodos anticoncepcionais... Ainda assim, caminhamos para uma superpopulação. Isso não é progresso. O mundo não está preparado para agüentar tantos de nós. Ele cobrará seu preço.
Avanço tecnológico sem bom senso não adianta nada.

Evolução - 1

O ser humano não é o supra-sumo da criação. Não é a obra-prima, uma quase divindade, o dono do mundo! O que motiva o ser humano? Ter recursos disponíveis para não passar fome e um consorte para reproduzir-se. Resumindo: comida e sexo.
É uma programação presente em todo ser vivo, desde o mais elementar até o mais complexo que, dizem, somos nós.
Observe nossa história. Grupos organizam-se, criam estratégias de guerra e política, tudo com a simples intenção de invadir um território alheio para saquear recursos e escravizar outros seres humanos. Uma infinidade de outros animais, supostamente menos evoluídos, faz a mesma coisa.
Guerras começaram e terminaram com o mesmo objetivo. Você assistiu a “Gladiador”, de Ridley Scott? No início do filme, o exército romano está lutando a última batalha contra tribos germânicas. O personagem principal, em suas conversas, seja com outros generais, seja com o próprio imperador romano, diz que está naquela luta para levar os ideais de Roma para o mundo. Para espalhar a idéia de democracia e justiça. Tudo muito bonito para um filme. Mas É UM FILME!
Os romanos não fizeram nada diferente daquilo que se fazia antes ou depois deles. Invadiam territórios, anexavam terras, saqueavam recursos e escravizavam os nativos.
Assim era feita a história. Hoje, quando lemos a respeito, respiramos aliviados. Afinal, pensamos, a civilização evoluiu. Já não lutamos mais pelos mesmos motivos. Tudo é diferente, agora. Somos muito mais evoluídos.
Acorde!
Você pode realmente me explicar que diabos o exército norte-americano foi fazer no Iraque? Levar a democracia? Acredita mesmo nisso? Isso, só para mencionar o exemplo mais descarado.
Os campos de batalha podem não ser os mesmos, nem as estratégias, mas o que você pensa que rege o capitalismo? Empresas montam estratégias para derrubar as concorrentes, tomar seus clientes, contratar seus funcionários por salários cada vez menores. Não é a toa que “A arte da guerra” é o livro preferido dos empresários.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Lobo solitário

Segunda metade da década de 80. Ao reconhecer a inestimável influência que teria sofrido da obra Kozure Okami, de Kazuo Koike e Goseki Kojima, Frank Miller inspirou os editores da First Comics a trazer esta obra e batizá-la como Lone Wolf and Cub.
Ainda engatinhando nesse mercado, a First, como tantas outras editoras americanas fizeram nos anos seguintes, deu início a uma desastrada tentativa de adaptar os mangás (como são conhecidos os quadrinhos japoneses) ao padrão norte-americano, ou seja, revistas mensais, com vinte e poucas páginas, no formato 17 x 26 cm. Assim, Kozure Okami foi retalhada em 45 volumes que não chegaram nem perto do final da história.
Originalmente, a obra tem cerca de 8500 páginas. O mesmo absurdo aconteceu com outros trabalhos japoneses, como Akira, que recebeu cores computadorizadas. No Brasil, a Cedibra foi a primeira editora a publicar Lobo Solitário. Seguiu o padrão norte-americano, incluindo as capas ilustradas por Frank Miller. Não passou da nona edição. Não se pode culpar a obra. A editora foi à falência. O mesmo aconteceu com a First Comics, que teria mesmo chegado a ser a terceira maior editora de super-heróis norte-americana. Marvel e DC, obviamente, eram as primeiras.
A Sampa Editorial chegou a assumir a publicação, imprimindo as revistas num formato mais próximo ao do original, e foi a que chegou mais longe com a série. Mesmo assim, ainda ficou distante da conclusão.
No final da década de 90, a Dark Horse voltou a publicar Lone Wolf and Cub. Dessa vez, no formato original japonês (segundo eles disseram; eu mesmo nunca pude conferir), os 28 volumes, ainda que com a inversão de leitura ocidental, foram enfim publicados. A Panini publicou por aqui, finalmente. Assim, quase 30 anos depois de ter sido publicada em seu país de origem, Kozure Okami finalmente pôde ser apreciada pelo público brasileiro.
Espero que você tenha sido um desses apreciadores.
As páginas de mangás publicadas mensalmente apresentam números irreais para nossa cultura. Pasmem, mas ainda hoje ouço comentários ignorantes sobre a leitura de histórias em quadrinhos.
Concordo que há muito lixo sendo publicado. Mas não existe nenhum lixo entre os filmes que atolam nossos cinemas ou nas estantes abarrotadas de livros, muito menos nas prateleiras de CDs?
Mas isso é uma discussão para outro post. Agora, estamos falando de Lobo Solitário.
Itto Ogami era o executor oficial do shogun, ou seja, uma das peças da tríade criada pelo governo para controlar os senhores feudais. Os outros dois grupos eram os espiões e os assassinos, esses chefiados por Retsudo Yagyu. Após cair, vítima de uma conspiração dos Yagyu, Ogami torna-se um ronin, um samurai sem mestre (um senhor, um empregador, não um professor) e parte com seu filho recém-nascido, Daigoro, para uma saga de vingança. Torna-se um assassino de aluguel, no intuito de acumular dinheiro e, principalmente, igualar seu espírito ao de seus inimigos.
Este é o argumento principal da série, que leva o personagem principal a percorrer um caminho sangrento que é usado pelos autores para retratar o Japão medieval, seus costumes e sua história.
Os personagens principais são inspirados em personagens reais, mas não são retratos fiéis.
A obra é simplesmente fantástica. Nenhum diálogo é apressado, nenhuma ação corre mais rápido do que o necessário, só para economizar tinta. Existem inúmeros quadros cuja única função é apresentar cenários e essa apresentação pode se estender por várias páginas. Tudo é feito para que o leitor possa apreciar a série em todos os seus momentos, sejam os mais poéticos, sejam os mais agitados – como nas cenas de batalha, em que a tinta parece querer sair do papel com o sangue que, embora representado pelo preto do nanquim, você tem certeza de que é vermelho e que cheira a ferro.
Lobo Solitário é obra indispensável para quem se diz fã de histórias em quadrinhos. Muito boa para quem ainda acredita que HQ é uma exclusividade infantil ou de pessoas de pouca inteligência.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Ts: Segundo T = Tesão

Tesão tornou-se um troço bastante cansativo. A imprensa martela na nossa cabeça o que é atraente. E dá-lhe engolir cenas de sexo brilhantemente coreografadas. Até os filmes pornôs seguem uma cartilha. “Primeiro, assim, depois assado. Grite isso, gema aquilo, agora você goza, depois é a vez dele...”
As revistas consertam as mulheres no Photoshop e enfiam na sua goela, fazendo-o repetir que fulana é gostosa, que sicrana é maravilhosa, que a parte do corpo que você tem que gostar é essa ou aquela...
As revistas de comportamento feminino não ficam atrás: “faça isso para ter orgasmos múltiplos...” Dando origem a uma legião de mulheres sentindo-se mal comidas porque não gozaram cinco vezes enquanto o cara as penetrava.
Sexo tem duas funções básicas: reprodução e DIVERSÃO.
Vai deixar que decidam por você o que é divertido em algo que você faz na intimidade (ou não...)?
Menos culpa, menos diagramas, menos receitas...
Mais tesão!

P.S.: Claro que, como eu sempre digo, nada é assim tão simples:
Se você sente tesão por crianças, é bom que procure ajuda profissional, antes que a ajuda profissional procure você. Se você sente tesão por animais, é bom que procure ajuda profissional. Afinal, zoonose não é brincadeira.
Se você sente tesão por fezes e urina... bom, isso é problema seu. Só me avise para que eu não chegue muito perto!

domingo, 28 de outubro de 2007

Simplicidade

Tendemos às respostas simples. Mas só para os problemas que exigem soluções complexas. Para as questões simples, buscamos as respostas mais rocambolescas. Nos dois casos, essas respostas estão calcadas em crenças, medos, ideologias e outras discrepâncias.
Recentemente, um apresentador de televisão foi assaltado em pleno bairro abastado de São Paulo. Seu relógio Rolex foi levado. Utilizando sua influência, ele manifestou sua revolta e seu trauma na imprensa. Por isso, foi malhado até o último fio de cabelo.
Houve quem dissesse que ele não tinha o direito a falar, pois era rico e não sabia nada sobre a miséria que leva ao crime ou que ele é rico e nunca fez nada para ajudar os menos validos. O discurso mais comum foi que ele “deu mole”. Afinal, ficou andando por ai, desfilando sua riqueza, pedindo para ser assaltado. Essa última crítica até entendo. Temos a tendência de jogar a culpa sobre a vítima. Nossa maneira de acreditar que, não agindo como ele agiu, nunca seremos essa vítima.
Quantas respostas simples.
Não tenho a menor intenção de defender esse sujeito. Não o conheço e nem faço questão. A única reposta simples para o que aconteceu é a seguinte: ele foi vítima de um crime e os criminosos deveriam ser punidos, de acordo com a lei.
O irônico é que a única parte simples da questão é a única com a qual poucos se importam. Levantam-se inúmeras questões sociais. Sabe-se realmente que foi a miséria que levou os dois rapazes da moto a assaltarem esse apresentador? Isso, só para começo de conversa...
Outro problema complexo: a violência nos morros cariocas, que está diretamente ligada às quadrilhas de traficantes de drogas. Causa simples que virou moda repetir (afinal, falar só da miséria não tem mais graça): as classes média e alta financiam essa violência ao consumir drogas.
Antes de mais nada, quero deixar claro que não tenho a menor intenção de defender o playboyzinho que junta as mãos em forma de pomba e puxa sua carreirinha ou fuma sua maconhinha. Nem sou defensor da legalização da maconha (também não sou fervorosamente contrário, já que nenhum dos lados conseguiu me convencer totalmente, até hoje).
Dito isso, prossigo.
Digamos que conseguimos alcançar a utopia: as classes média e alta, até a baixa, deixaram de consumir drogas. Um passe de mágica... Tiramos a fonte de renda do tráfico, o ganha-pão do traficante. Agora, não restará alternativa. Ele vai se emendar, virar um trabalhador de respeito...
E Papai Noel continua voando em seu trenó!
Culpar os consumidores de drogas é fácil e simples, mas nem sequer arranha o problema.
A solução para a escalada da violência não está em um passe de mágica. Está em um nível de vontade política e conscientização social que o brasileiro – na verdade, a grande maioria da população mundial – está longe de alcançar.
Mas é possível dar um primeiro passo. E o primeiro passo é este: nada é tão simples! Quanto antes você se conscientizar disso, mais tempo vai ter para questionar e arranhar a abrangência daquele problemão que você acreditava e jurava, de pés juntos, que tinha uma solução simples na manga da camisa.

sábado, 20 de outubro de 2007

renascido

O trabalho de tradução muitas vezes é chamado de traição. Nem sempre é culpa do tradutor. Afinal, como adaptar o nome Daredevil (algo como demônio audacioso) para o português? A primeira editora (se não me engano, foi a Ebal) resolveu batizar o herói com algum nome que, pelo menos, justificasse aqueles dois Ds escritos no peito. DemoliDor. O nome novo pode não se encaixar tão bem ao personagem. Afinal, sua característica principal é não ter medo (aparentemente) e não sair por ai demolindo coisa alguma. Enfim, agora é tarde.
Na segunda metade da década de 80, os editores da Abril cometeram uma nova traição... ops... tradução livre. A saga que marcava o retorno de Frank Miller ao personagem, algum tempo depois de tê-lo salvo do cancelamento. Chamava-se Born Again. “Nascido de novo” não tem a mesma carga dramática em português. Nenhuma novidade. “O silêncio dos inocentes” não seria levado a sério por aqui se tivesse sido comercializado como o original: “Silêncio das ovelhas”. Assim, Born Again tornou-se “A queda de Murdock”.
Enquanto o original anunciava ao leitor que ele estava lendo uma total reestruturação do personagem, o título brasileiro anunciava uma desgraça eminente. E o infortúnio realmente chegou para Matt Murdock (aka Daredevil).
Na história uma antiga namorada vende sua identidade ao Kingpin, o Rei do Crime de Nova York, que, só para testar a informação, usa sua influência e poder para tirar tudo o que Murdock tinha. Desde a licença para advogar, passando por seu dinheiro, até sua casa. Murdock vai para o inferno. Mas, como não poderia deixar de ser, ele se recupera e inicia sua caminhada para fora, em direção à redenção. Daí o nome da saga original encaixar-se melhor. Pois é essa redenção que define Daredevil como um herói.
Born Again é um dos grandes trabalhos de Frank Miller, ao lado de Cavaleiro das Trevas e Sin City. Esse último, muito mais pela qualidade visual, diga-se de passagem...
Falando nisso, o trabalho de Mazzuchelli em Born Again é excepcional. Estilizado e realista, ao mesmo tempo, encaixa-se como uma luva na narração rápida, nervosa e crua de Miller.
Born Again é a saga de um herói, no que ela tem de mais mítico e inspirador. Não recomendo tão enfaticamente quanto fiz com Watchmen, que é insuperável em sua categoria. Mas se você já gosta de boas histórias em quadrinhos, dê uma chance a esta história. Reconheço que não é fácil de encontrar. Mas, se tiver a oportunidade, leia. Vale cada página.

Cerca de cansaço

Não, eu não estou cansado. Estou cercado. Acredite e aterrorize-se, pois não estou sozinho e o cerco é bem variado:
Há bandidos que se transformam em mártires mal-compreendidos em filmes bem produzidos e policiais brutamontes que, justiça seja feita, finalmente começaram a ganhar seus retratos de heróis cinematográficos. Políticos de todas as ideologias que, na verdade convergem para uma só: o próprio bolso. Paulo Henrique Amorim, que fica repetindo, como um disco riscado, que a elite-paulista-golpista cria formas mirabolantes para destronar Lula. A elite-paulista-golpista, que veste a carapuça e cria um movimento sem pé nem cabeça que julgaram de bom tom batizar de “cansei”. Não dá para não pensar no Costinha, quando ele imitava uma bichinha, com sua careta medonha, desmunhecando ao som de um afetado “caaaaansei”. Hilário.
Eu realmente considero o movimento Cansei incrível. Um prodígio. Durante um mês, prepararam uma manifestação bombástica, através da imprensa. Até em TV de ônibus havia a proclamação: “Sexta-feira, dia (não lembro o dia), ao meio-dia, vamos fazer UM MINUTO DE SILÊNCIO!” Incrível! Fantástico! Com esse minuto de silêncio, ainda mais na hora do almoço, transformaríamos o País. Os corruptos aprenderiam ética, os traficantes entregariam as armas, a corrupção desapareceria de todos os recantos da nação, a burocracia seria expurgada...
Mas que frustração... nada aconteceu. Bem... o que fazer, não é?
Eles têm voz, mas preferiram pedir um minuto de silêncio. De preferência, na hora de almoço, para não atrapalhar o trabalho.
O cansei foi um movimento de casa-grande. O Brasil continua sendo uma grande senzala.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Watchmen


Histórias em quadrinhos são uma forma de literatura rápida e popular. Por aliar a complexidade do texto escrito à atrativa agilidade dos desenhos, os quadrinhos são ampla e facilmente consumidos e engana-se quem pensa que é uma exclusividade infantil. Já foi, é verdade. Tanto que se tornou alvo de grupos conservadores e outros neuróticos em busca de culpados para a irracionalidade de alguns seres humanos.
Quadrinhos de super-heróis são ainda mais populares, principalmente do lado de cá do Atlântico. Tanto que chegamos a acreditar que existiram desde os primórdios dessa forma de arte. Não foi assim. Nos primeiros quadrinhos, imperava o humor. Tanto que, até hoje, são chamados de comics nos EUA. Até os atuais, muitas vezes violentos e sombrios.
Assim, heróis mascarados com superpoderes povoam e sobrevoam centenas de publicações. A maioria – e digo isso para horror dos fãs xiitas – tem baixa qualidade literária, ou mesmo nenhuma. Isso sem mencionar as que nem qualidade visual possuem.
Como todo mercado inflado, pipocam descontroladamente as porcarias e, vez por outra, pululam algumas obras-primas. É assim no Japão, cuja produção de páginas de quadrinhos por mês deixa os EUA no chinelo. De lá saíram maravilhas como Lobo Solitário, Vagabond, Akira, entre outras, mas a maioria só serve para ser reciclada na próxima coleta de papel.
Dos EUA vieram, em meio à produção de quadrinhos em geral e, mais especificamente, dos quadrinhos de super-heróis, trabalhos que merecem ser lembrados como obras de arte. Entre eles, o que mais se destaca certamente é Watchmen.
Watchmen foi escrito por Alan Moore, um dos mais importantes roteiristas do mercado. Vale lembrar que ele não é americano. É inglês. Os confetes que jogo sobre ele não são desmerecidos. Alan Moore foi responsável por V de vingança, Piada mortal, Liga Extraordinária, Monstro do pântano, entre tantas outras obras. Em determinado momento, seu nome funcionava como um toque de Midas. Se tinha sido escrito por Alan Moore, só podia ser bom... Claro que isso é um dos tantos exageros de mercado. Mesmo o mais genial dos autores escorrega, de vez em quando.
Mas não é sobre escorregões que quero falar. É sobre sua obra-prima Watchmen. E, na verdade, nem quero falar tanto. Em qualquer site especializado em quadrinhos (e até em alguns que não são) você vai encontrar resenhas mais bem escritas e até mais coerentes. Algumas, provavelmente, enriquecerão seus elogios a Watchmen com paralelos literários e filosóficos. Não tenho vocação, cultura e, sinceramente, paciência para tentar essa verborragia.
Watchmen é uma saga. No significado mais abrangente do termo. Tem tantas camadas de leitura que pode ser apreciado várias vezes, cada qual por um prisma completamente novo. A autópsia psicológica que Alan Moore faz de seus personagens é assustadoramente real e perturbadora. Todo super-herói, a exemplo do herói clássico, tem seu ponto fraco, sua tragédia pessoal e sua mola impulsionadora. Os heróis de Watchmen não fogem à regra, mas suas histórias pessoais são tão reais que você poderia acreditar que eles existiram. Suas fraquezas são palpáveis.
Assusta-me saber que estão filmando uma versão para o cinema. Tenho certeza de que muita gente vai assistir ao filme e achar que conhece a obra, mas nunca a apreciará em sua plenitude. Aconteceu com os outros trabalhos de Alan Moore. Digam o que quiserem – ele está certo em dizer que não aprova e nem vê os filmes inspirados em seus quadrinhos.
Devo parar por aqui, pois tudo o que eu disser pode estragar sua leitura. Sim, porque você deve ler Watchmen. Mesmo que nunca tenha lido histórias em quadrinhos na vida, leia Watchmen. Mesmo que não goste de super-heróis. Se, uma vez na vida, você tiver de ler uma história de super-heróis, que seja Watchmen. Você não vai se arrepender.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Ts: Primeiro T (Tolerância)

Tolerância é a ordem do dia. Foi eleita a melhor solução para a irracionalidade que, paradoxalmente, parece se espalhar hoje em dia. Sim, nós vivemos tempos irracionais, caso você ainda não tenha percebido. Não mais do que sempre foram, mas não existia computador, internet, rede sanitária, escola... Ainda assim, temos crimes macabros, maníacos religiosos se jogando com aviões em prédios, outros maníacos agitando a bandeira da abstinência sexual, universitários transando sem camisinha, caras-de-pau apoiando Renan Calheiros e o Collor eleito senador. Na Palestina, judeus e muçulmanos continuam lutando. No resto do mundo, você ouve falar de conflitos entre etnias. O engraçado dessas lutas é quando mostram representantes das tais etnias. São tão parecidos que você só consegue diferenciar graças à legenda. Pergunto-me onde eles procuram as diferenças tão gritantes entre si que justifiquem as atrocidades que praticam uns contra os outros.
Para tudo isso, alardeia-se a solução mágica: Tolerância.
Sou intolerante com a tolerância.
Não quero tolerar nada nem ninguém. Isso não deveria ser necessário. Quero respeitar e ser respeitado. E quero respeito verdadeiro, não aquele vindo de convenções sociais, também conhecidas como etiqueta, ou, pior, do medo.
Tolerar é aceitar algo ou alguém que, no fundo te incomoda. Quer saber? Isso não é suficiente. Todos que você tolera, vigia constantemente, esperando o primeiro escorregão para apontar seu dedão acusador: “Eu sabia que, um dia, esse cara iria aprontar!” Tolerar é fingir que aceita, mantendo sua mão na coronha da arma.
Respeito vem com conhecimento. De si mesmo e do outro que você diz tolerar. Conheça aquele que você tolera. Conheça sua história e a história de sua crença, de sua etnia... logo, você vai deixar de tolerá-lo e vai, finalmente, tirar a mão dessa coronha.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Gatos - por que não? (1)


Outro dia eu estava passando pelo site do Paulo Henrique Amorim: conversa afiada. Lá, ele tem uma página em que deixa claro para que público o site está dirigido:
“ O Conversa Afiada é um site de informação e opinião. Nesses tempos de intensa polêmica sobre o papel (lamentável) da mídia na campanha presidencial que passou, é importante fazer as seguintes observações para que o internauta não se deixe enganar. O Conversa Afiada não gosta de:
1) FHC
2) Daniel Dantas (1 e 2 são fenômenos da mesma natureza, como breve se demonstrará).
3) Rede Globo
4) Imprensa farisaica (3 e 4 são fenomenos da mesma natureza, como ficou luminosamente demonstrado na última eleição).
5) O Corvo do Lavradio
6) Ronaldo dito “o fenômeno”
7) C. R. Flamengo
8) Quem fala mal do Rio
9) Quem fala mal de nordestino
10) Brasília
11) Pós-moderno
12) Dry Martini com uma gota a mais de Martini
13) SUVs
14) Filme de terror
15) Amsterdam Avenue
16) Urna eletrônica
17) Gatos”

Vou ignorar todo o resto da lista. Para mim, uma lista que começa com “para quem NÃO gosta de...” é sinal de que o cara que escreveu é um chato. Não confie em quem quer ser conhecido pelo que não gosta.
Agora, atenção especial para o último item. Gatos?
Que tem ele contra os gatos? O que qualquer pessoa tem contra gatos? Já ouvi muita gente dizendo que não gosta de gatos, mas ninguém conseguiu me explicar de uma forma que eu entendesse.
Não estou lançando um desafio, não. Estou pedindo ajuda... Expliquem-me.

sábado, 29 de setembro de 2007

Interatividade tropical


Se eu assisto a novelas? Realmente, não sei dizer. Às vezes, sim, às vezes, não. Isso importa?
O que importa é que assisti ao último episódio da última novela da Globo, Paraíso Tropical. O que vi me preocupou. Mostrou tendências perigosas, a meu ver. Não, não estou falando de nenhum valor moral que a novela tenha tentado glorificar ou derrubar. Falo do próprio formato da obra. Explico:
Para aumentar a audiência, o autor (ou seriam os executivos da Globo) apelou para uma das manjadas fórmulas: criaram um assassinato e lançaram a pergunta “quem matou Taís?” Não por coincidência, o mesmo autor já tinha usado o mesmo recurso em outras novelas. A primeira vez em “Vale tudo”, com o legendário assassinato de Odete Roitman.
Naquela novela, a assassina foi uma surpresa considerável. Um marco na história da teledramaturgia brasileira. Nesta, ele apresentou 5 suspeitos. Cinco. Seria um deles. Isso foi preocupante. Afinal, para surpreender o público, o mais interessante teria sido deixar o leque de suspeitas aberto, apontando para todos os personagens da história. Mas ele fechou em apenas cinco...
Pesquisas pularam para todos os lados. Todo mundo palpitando qual dos cinco seria o assassino. Não sei o resultado das pesquisas. Sei que o autor escolheu o óbvio. O assassino é o vilão principal da novela. Para isso, ele criou uma história para lá de tacanha, esdrúxula e todos os adjetivos esquisitos que você quiser colocar.
É inegável que o final da novela foi um acúmulo de texto mal escrito e atuação mal dirigida, como há muito tempo não se via (se você não acha, melhor começar a rever seus conceitos), mas não é sobre isso que quero falar. Óbvio demais.
Quero falar sobre as tais pesquisas que pipocaram por ai, para o público palpitar quem era o assassino. Será que o público palpitou ou, sem saber, escolheu? O assassino não foi descoberto pelos que votarão. Ele provavelmente foi escolhido. Será que o final que foi ao ar não foi aquele que tinha mais chances de agradar ao público? Aquele que eles escolheram nas pesquisas?
Há algum tempo a TV brasileira tem tratado o público como infantes mimados. O que a criança pede, a criança tem e, assim, sobe a audiência.
Quando questionados sobre a baixa qualidade da produção da TV, é assim que os executivos das emissoras respondem: que eles apenas dão aquilo que o público pede. Eles apenas anotam o pedido e entregam.
A interatividade está criando um público que decide o que quer ver, como quer ver, sem permitir acréscimo, criatividade, surpresa.
Espero que você seja como eu. Eu quero ser surpreendido. Quero que o autor escreva algo que eu não esperava. Que seu personagem faça coisas que eu não imaginei. É só isso que eu quero. Para que ligar a televisão, ler um livro ou ir ao cinema para ver uma história que já passou pela minha cabeça?

Um trecho de Cira:


Descobri Cira por meio de uma figurinha, dessas para colar em álbuns mal desenhados e com textos incompletos. Figurinhas tinham o valor de dinheiro para as crianças, no tempo em que eu era uma.
Havia três maneiras de se acumular figurinhas: 1) Súplicas aos pais. 2) Trocas (quase) amigáveis. 3) Espólios das disputas de “bafo”. O bafo, para quem não sabe, é um jogo em que os participantes batem, com as palmas das mãos em concha, sobre um monte de figurinhas, levando para casa aquelas que conseguem virar. Foi de uma dessas três maneiras – não lembro qual – que ganhei a figurinha de Cira.
Eu costumava perseguir outros tipos de figurinhas, mas aquela, que fazia parte de um álbum sobre lendas, exerceu um fascínio diferente sobre mim. A figurinha era simples. Não era daquelas autocolantes, que custavam bem mais caro. No verso, lia-se uma descrição da personagem: “Cira. Filha de uma bruxa e do cobra Norato. Diz-se que matou a princesa da grande cidade perdida e libertou os tatus. Em algumas regiões, conta-se que lutou contra um bando de lobisomens e que participou da guerra de Palmares, lutando ao lado de Zumbi”. O desenho era o que mais me atraía, mas não por seu valor artístico, que eu ainda não tinha experiência para avaliar. Mostrava uma mulher de pele muito branca, em trajes feitos de um reluzente couro escamoso, vermelho-escuro. Seus cabelos eram negros e balançavam ao vento. Seus olhos eram tão vívidos, curiosos. Estavam focados em algo fora da cena, desafiadores. Sobre o ombro esquerdo, um detalhe bizarro. Uma caveira.
Com o passar dos anos, ganhei percepção suficiente para concluir que o fascínio da imagem vinha muito mais da força da própria personagem do que da qualidade do ilustrador.
Jamais ganhei nenhuma outra figurinha daquela coleção, porque a editora que a publicou havia falido alguns anos antes. Solitária entre minhas outras figurinhas, aquela acabou se tornando a mais valiosa para mim. Eu a carregava sempre. Puxava-a para dar uma espiada, sorrateiramente, quando queria sentir aquela sensação quente, tão comum em pré-adolescentes. Cresci com aquela imagem e as frações de história que aquela figurinha continha assombrando-me.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Amor próprio


Engraçada aquela frase: “para amar o outro, deve-se, primeiro, amar a si próprio”.
Só fica difícil entender o que significa amar a si próprio. Principalmente se ninguém consegue me explicar muito bem o que realmente significa amar o outro.
Amar a si próprio significa ter vaidade? Significa pagar cinco cirurgias plásticas em dois anos, porque aquela barriguinha, que agora está lipoaspirada ou aquele peitinho que agora está siliconado, te impediam? Vamos considerar que sim. Que você só pode se amar se seus padrões físicos te agradarem. Concluímos, então, que você só pode amar quem tiver padrões físicos parecidos com os seus. Não? Você pode amar uma pessoa, independente das supostas falhas em sua aparência? Então, como você não conseguia se amar quando tinha suas próprias supostas falhas na aparência?
– Essa menina não se cuida – diz a perua de plantão. – Está sempre mal arrumada, com o cabelo descuidado... e olha aquelas unhas! Ela não tem o mínimo de amor-próprio!
Então, vou considerar que o alvo da perua não pode amar ninguém, afinal, segundo algum padrão maluco que algum idiota criou, a menina mal cuidada não se ama. Que merda é essa? E você pensa que isso é incomum? Tem pai e mãe que fala isso sobre os filhos, que simplesmente estão passando por uma fase mais do que comum na adolescência! Aliás, quero puxar um gancho sobre isso. No Brasil, aumentaram as cirurgias plásticas entre adolescentes. Noventa por cento são meninas. Meninas é o termo mais correto. Não consigo chamar de outra coisa, senão imbecil, a mãe que apóia a filha de 15 anos a fazer um implante de silicone! Mas esse é um assunto para um outro post, se eu tiver estômago para tanto. Estava falando sobre amor próprio...
Vão dizer que persigo autores e livros de auto-ajuda. Bem... quanto a isso estão certos.
Você já reparou como livros de auto-ajuda engrandecem o amor próprio? Ao ponto de criar megalomaníacos! Os ávidos consumidores dessa cultura são tomados pela ilusão nada incomum de que são o centro do universo. Um exército de narcisos, acotovelando-se por um espaço à beira do lago, onde possam ver seus rostos maravilhosos. E dá-lhe abrir mão da ética... afinal, se me amo e sou o centro do universo, tudo vale para conseguir meu sucesso.
Tudo fica no eu, eu, eu, eu, eu, eu... Sem a menor vergonha. Afinal, modéstia é para os que não se amam, não é?
E, me amando, posso amar os outros. Para quê? Você não se basta? Já não é o centro do universo? As galáxias e planetas circulam ao seu redor, para lhe dar prazer e reconhecimento.

Esse papo de amor próprio é uma bobagem infinita, tão grande quanto o universo que você pensa que está ai para seu prazer. Você já nasceu com todo o amor próprio que precisa. Chama-se individualidade, instinto de auto-preservação. Não precisa de um livrinho ou um guruzinho dizendo para você inchar ainda mais esse seu ego de macaco. Antes de amar tanto a si mesmo, espero que você aprenda primeiro a amar o outro. Isso é o que falta. Isso é o que você veio ao mundo sem saber e que vai ter que aprender.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Se conselho fosse bom...


Férias são curiosas. Estou curtindo as minhas. Como não sou ávido por viagens, não ligo que ainda não tenhamos conseguido, eu e minha esposa, planejar uma. Não por inércia, preguiça ou qualquer outro motivo supostamente condenável. Apenas não tivemos tempo, ainda. Estou há duas semanas tentando resolver aqueles problemas práticos que costumamos empurrar com a barriga durante o ano, deixando acumular justamente nas férias. Não me culpe. Culpe nosso sistema de trabalho/vida. Mas isso é assunto para outro post. Não quero falar sobre férias. Quero falar sobre auto-ajuda.
Eu estava prostrado, até esculachado, no sofá da sala, depois de um belo café da manhã. A patroa (ela odeia esse termo) ligou a TV. Não sei se foi um gesto muito consciente. Surgiu uma apresentadora de cabelo punk, com um boneco de papagaio. Você sabe quem é. Ela estava dando conselhos aos telespectadores. Falava sobre a importância das metas.
Lembrei-me daquele ditado: “Se conselho fosse bom, não era de graça”. Deve ser muito antigo. Quem o disse pela primeira vez não imaginava o advento da auto-ajuda.
Os “gurus” conseguiram invalidar o dito popular. Não que conselho tenha passado a ser algo bom, mas deixou de ser gratuito. As livrarias não estão abarrotadas dessas preciosidades que encabeçam a lista de best-sellers?
Não faz muito tempo, alguém me emprestou um deles, chamado “Quem mexeu no meu queijo”. A mensagem do livro era simples: se você está acostumado a um sistema e ele muda, adapte-se. Engraçado como passei a mesma mensagem em 11 palavras e o autor levou mais de 100 páginas para falar a mesma coisa. E o livro vendeu horrores! E o livro é chato! E não diz nenhuma novidade! E mesmo o que diz é questionável. Aliás, como tudo nesse mundinho precário da auto-ajuda.
Voltando à loira punk e seu sistema de metas...
É bonito aconselhar aos outros que estabeleçam metas e as persigam. É bonito dizer que foi assim que ela estruturou sua vida e obteve sucesso. Minha opinião: pura leviandade. Antes de mais nada, se você pretende montar um sistema de vida em que tudo é esquematizado com o objetivo de atingir metas, tem de conhecer seus limites. Você não vai querer colocar como meta voar feito o super-homem, pois teria um limite um tanto intransponível pela frente. Os gurus dizem que limites são feitos para serem ultrapassados. É uma pérola de sabedoria bastante divertida. Limites são limites. Além deles pode estar tanto o paraíso quanto um precipício. Pois é... como tudo na vida, nada é tão simples.
Muito bem, digamos que você determinou seus limites e metas – essa pataquada toda. Para começo de conversa, você acha mesmo que as pessoas bem-sucedidas realmente estabeleceram metas e as seguiram à risca? Uma confluência de fatores leva ao resultado final: desde a sorte, passando pela “força de vontade”, até o mais puro acaso. Ao longo do caminho, não existe mortal que não faça adaptações, compensações, contornos, desvios etc. É fácil para quem alcançou o sucesso dizer que seguiu uma trilha meticulosamente planejada.
Vou considerar que você repudiou tudo o que eu disse, estabeleceu suas metas e vai persegui-las com toda a vontade. O que tenho a dizer é o seguinte: quem disse que isso é o melhor para você? Sabe o que seria muito divertido? Descobrir que as metas que você ardorosamente perseguiu o levaram a um caminho tortuoso e que se você tivesse deixado o acaso seguir seu curso, sua vida teria sido mais fácil e bem-sucedida...
Não estou dizendo que este seja o modo mais correto de viver. Pelo contrário. Difícil, não? Pois é... a vida não é fácil, muito menos simples. Então, por que diabos você pensa que um guruzinho de merda tem as respostas esquematizadas em um organograma?
Não tenho nenhum conselho a dar. Mas posso vender algum, se você quiser.