sábado, 29 de setembro de 2007

Interatividade tropical


Se eu assisto a novelas? Realmente, não sei dizer. Às vezes, sim, às vezes, não. Isso importa?
O que importa é que assisti ao último episódio da última novela da Globo, Paraíso Tropical. O que vi me preocupou. Mostrou tendências perigosas, a meu ver. Não, não estou falando de nenhum valor moral que a novela tenha tentado glorificar ou derrubar. Falo do próprio formato da obra. Explico:
Para aumentar a audiência, o autor (ou seriam os executivos da Globo) apelou para uma das manjadas fórmulas: criaram um assassinato e lançaram a pergunta “quem matou Taís?” Não por coincidência, o mesmo autor já tinha usado o mesmo recurso em outras novelas. A primeira vez em “Vale tudo”, com o legendário assassinato de Odete Roitman.
Naquela novela, a assassina foi uma surpresa considerável. Um marco na história da teledramaturgia brasileira. Nesta, ele apresentou 5 suspeitos. Cinco. Seria um deles. Isso foi preocupante. Afinal, para surpreender o público, o mais interessante teria sido deixar o leque de suspeitas aberto, apontando para todos os personagens da história. Mas ele fechou em apenas cinco...
Pesquisas pularam para todos os lados. Todo mundo palpitando qual dos cinco seria o assassino. Não sei o resultado das pesquisas. Sei que o autor escolheu o óbvio. O assassino é o vilão principal da novela. Para isso, ele criou uma história para lá de tacanha, esdrúxula e todos os adjetivos esquisitos que você quiser colocar.
É inegável que o final da novela foi um acúmulo de texto mal escrito e atuação mal dirigida, como há muito tempo não se via (se você não acha, melhor começar a rever seus conceitos), mas não é sobre isso que quero falar. Óbvio demais.
Quero falar sobre as tais pesquisas que pipocaram por ai, para o público palpitar quem era o assassino. Será que o público palpitou ou, sem saber, escolheu? O assassino não foi descoberto pelos que votarão. Ele provavelmente foi escolhido. Será que o final que foi ao ar não foi aquele que tinha mais chances de agradar ao público? Aquele que eles escolheram nas pesquisas?
Há algum tempo a TV brasileira tem tratado o público como infantes mimados. O que a criança pede, a criança tem e, assim, sobe a audiência.
Quando questionados sobre a baixa qualidade da produção da TV, é assim que os executivos das emissoras respondem: que eles apenas dão aquilo que o público pede. Eles apenas anotam o pedido e entregam.
A interatividade está criando um público que decide o que quer ver, como quer ver, sem permitir acréscimo, criatividade, surpresa.
Espero que você seja como eu. Eu quero ser surpreendido. Quero que o autor escreva algo que eu não esperava. Que seu personagem faça coisas que eu não imaginei. É só isso que eu quero. Para que ligar a televisão, ler um livro ou ir ao cinema para ver uma história que já passou pela minha cabeça?

Um trecho de Cira:


Descobri Cira por meio de uma figurinha, dessas para colar em álbuns mal desenhados e com textos incompletos. Figurinhas tinham o valor de dinheiro para as crianças, no tempo em que eu era uma.
Havia três maneiras de se acumular figurinhas: 1) Súplicas aos pais. 2) Trocas (quase) amigáveis. 3) Espólios das disputas de “bafo”. O bafo, para quem não sabe, é um jogo em que os participantes batem, com as palmas das mãos em concha, sobre um monte de figurinhas, levando para casa aquelas que conseguem virar. Foi de uma dessas três maneiras – não lembro qual – que ganhei a figurinha de Cira.
Eu costumava perseguir outros tipos de figurinhas, mas aquela, que fazia parte de um álbum sobre lendas, exerceu um fascínio diferente sobre mim. A figurinha era simples. Não era daquelas autocolantes, que custavam bem mais caro. No verso, lia-se uma descrição da personagem: “Cira. Filha de uma bruxa e do cobra Norato. Diz-se que matou a princesa da grande cidade perdida e libertou os tatus. Em algumas regiões, conta-se que lutou contra um bando de lobisomens e que participou da guerra de Palmares, lutando ao lado de Zumbi”. O desenho era o que mais me atraía, mas não por seu valor artístico, que eu ainda não tinha experiência para avaliar. Mostrava uma mulher de pele muito branca, em trajes feitos de um reluzente couro escamoso, vermelho-escuro. Seus cabelos eram negros e balançavam ao vento. Seus olhos eram tão vívidos, curiosos. Estavam focados em algo fora da cena, desafiadores. Sobre o ombro esquerdo, um detalhe bizarro. Uma caveira.
Com o passar dos anos, ganhei percepção suficiente para concluir que o fascínio da imagem vinha muito mais da força da própria personagem do que da qualidade do ilustrador.
Jamais ganhei nenhuma outra figurinha daquela coleção, porque a editora que a publicou havia falido alguns anos antes. Solitária entre minhas outras figurinhas, aquela acabou se tornando a mais valiosa para mim. Eu a carregava sempre. Puxava-a para dar uma espiada, sorrateiramente, quando queria sentir aquela sensação quente, tão comum em pré-adolescentes. Cresci com aquela imagem e as frações de história que aquela figurinha continha assombrando-me.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Amor próprio


Engraçada aquela frase: “para amar o outro, deve-se, primeiro, amar a si próprio”.
Só fica difícil entender o que significa amar a si próprio. Principalmente se ninguém consegue me explicar muito bem o que realmente significa amar o outro.
Amar a si próprio significa ter vaidade? Significa pagar cinco cirurgias plásticas em dois anos, porque aquela barriguinha, que agora está lipoaspirada ou aquele peitinho que agora está siliconado, te impediam? Vamos considerar que sim. Que você só pode se amar se seus padrões físicos te agradarem. Concluímos, então, que você só pode amar quem tiver padrões físicos parecidos com os seus. Não? Você pode amar uma pessoa, independente das supostas falhas em sua aparência? Então, como você não conseguia se amar quando tinha suas próprias supostas falhas na aparência?
– Essa menina não se cuida – diz a perua de plantão. – Está sempre mal arrumada, com o cabelo descuidado... e olha aquelas unhas! Ela não tem o mínimo de amor-próprio!
Então, vou considerar que o alvo da perua não pode amar ninguém, afinal, segundo algum padrão maluco que algum idiota criou, a menina mal cuidada não se ama. Que merda é essa? E você pensa que isso é incomum? Tem pai e mãe que fala isso sobre os filhos, que simplesmente estão passando por uma fase mais do que comum na adolescência! Aliás, quero puxar um gancho sobre isso. No Brasil, aumentaram as cirurgias plásticas entre adolescentes. Noventa por cento são meninas. Meninas é o termo mais correto. Não consigo chamar de outra coisa, senão imbecil, a mãe que apóia a filha de 15 anos a fazer um implante de silicone! Mas esse é um assunto para um outro post, se eu tiver estômago para tanto. Estava falando sobre amor próprio...
Vão dizer que persigo autores e livros de auto-ajuda. Bem... quanto a isso estão certos.
Você já reparou como livros de auto-ajuda engrandecem o amor próprio? Ao ponto de criar megalomaníacos! Os ávidos consumidores dessa cultura são tomados pela ilusão nada incomum de que são o centro do universo. Um exército de narcisos, acotovelando-se por um espaço à beira do lago, onde possam ver seus rostos maravilhosos. E dá-lhe abrir mão da ética... afinal, se me amo e sou o centro do universo, tudo vale para conseguir meu sucesso.
Tudo fica no eu, eu, eu, eu, eu, eu... Sem a menor vergonha. Afinal, modéstia é para os que não se amam, não é?
E, me amando, posso amar os outros. Para quê? Você não se basta? Já não é o centro do universo? As galáxias e planetas circulam ao seu redor, para lhe dar prazer e reconhecimento.

Esse papo de amor próprio é uma bobagem infinita, tão grande quanto o universo que você pensa que está ai para seu prazer. Você já nasceu com todo o amor próprio que precisa. Chama-se individualidade, instinto de auto-preservação. Não precisa de um livrinho ou um guruzinho dizendo para você inchar ainda mais esse seu ego de macaco. Antes de amar tanto a si mesmo, espero que você aprenda primeiro a amar o outro. Isso é o que falta. Isso é o que você veio ao mundo sem saber e que vai ter que aprender.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Se conselho fosse bom...


Férias são curiosas. Estou curtindo as minhas. Como não sou ávido por viagens, não ligo que ainda não tenhamos conseguido, eu e minha esposa, planejar uma. Não por inércia, preguiça ou qualquer outro motivo supostamente condenável. Apenas não tivemos tempo, ainda. Estou há duas semanas tentando resolver aqueles problemas práticos que costumamos empurrar com a barriga durante o ano, deixando acumular justamente nas férias. Não me culpe. Culpe nosso sistema de trabalho/vida. Mas isso é assunto para outro post. Não quero falar sobre férias. Quero falar sobre auto-ajuda.
Eu estava prostrado, até esculachado, no sofá da sala, depois de um belo café da manhã. A patroa (ela odeia esse termo) ligou a TV. Não sei se foi um gesto muito consciente. Surgiu uma apresentadora de cabelo punk, com um boneco de papagaio. Você sabe quem é. Ela estava dando conselhos aos telespectadores. Falava sobre a importância das metas.
Lembrei-me daquele ditado: “Se conselho fosse bom, não era de graça”. Deve ser muito antigo. Quem o disse pela primeira vez não imaginava o advento da auto-ajuda.
Os “gurus” conseguiram invalidar o dito popular. Não que conselho tenha passado a ser algo bom, mas deixou de ser gratuito. As livrarias não estão abarrotadas dessas preciosidades que encabeçam a lista de best-sellers?
Não faz muito tempo, alguém me emprestou um deles, chamado “Quem mexeu no meu queijo”. A mensagem do livro era simples: se você está acostumado a um sistema e ele muda, adapte-se. Engraçado como passei a mesma mensagem em 11 palavras e o autor levou mais de 100 páginas para falar a mesma coisa. E o livro vendeu horrores! E o livro é chato! E não diz nenhuma novidade! E mesmo o que diz é questionável. Aliás, como tudo nesse mundinho precário da auto-ajuda.
Voltando à loira punk e seu sistema de metas...
É bonito aconselhar aos outros que estabeleçam metas e as persigam. É bonito dizer que foi assim que ela estruturou sua vida e obteve sucesso. Minha opinião: pura leviandade. Antes de mais nada, se você pretende montar um sistema de vida em que tudo é esquematizado com o objetivo de atingir metas, tem de conhecer seus limites. Você não vai querer colocar como meta voar feito o super-homem, pois teria um limite um tanto intransponível pela frente. Os gurus dizem que limites são feitos para serem ultrapassados. É uma pérola de sabedoria bastante divertida. Limites são limites. Além deles pode estar tanto o paraíso quanto um precipício. Pois é... como tudo na vida, nada é tão simples.
Muito bem, digamos que você determinou seus limites e metas – essa pataquada toda. Para começo de conversa, você acha mesmo que as pessoas bem-sucedidas realmente estabeleceram metas e as seguiram à risca? Uma confluência de fatores leva ao resultado final: desde a sorte, passando pela “força de vontade”, até o mais puro acaso. Ao longo do caminho, não existe mortal que não faça adaptações, compensações, contornos, desvios etc. É fácil para quem alcançou o sucesso dizer que seguiu uma trilha meticulosamente planejada.
Vou considerar que você repudiou tudo o que eu disse, estabeleceu suas metas e vai persegui-las com toda a vontade. O que tenho a dizer é o seguinte: quem disse que isso é o melhor para você? Sabe o que seria muito divertido? Descobrir que as metas que você ardorosamente perseguiu o levaram a um caminho tortuoso e que se você tivesse deixado o acaso seguir seu curso, sua vida teria sido mais fácil e bem-sucedida...
Não estou dizendo que este seja o modo mais correto de viver. Pelo contrário. Difícil, não? Pois é... a vida não é fácil, muito menos simples. Então, por que diabos você pensa que um guruzinho de merda tem as respostas esquematizadas em um organograma?
Não tenho nenhum conselho a dar. Mas posso vender algum, se você quiser.