Os humanos deixaram de existir há muito tempo. Pelo menos, é o que se acredita. Existe a possibilidade de terem seguido seu padrão parasitário e, ao concluírem que haviam sorvido todos os recursos do planeta, tenham construído máquinas para lançarem-se ao espaço e conquistarem outro planeta, do qual pudessem também esgotar os recursos naturais. Mas essa é uma especulação encarada por alguns como a mais pura ficção. Não foram encontradas evidências de que os humanos tivessem chegado a esse grau de evolução tecnológica. O destino final dos humanos provoca discussões acaloradas entre os pensadores. Discordam até da época em que esse desaparecimento teria ocorrido. Teria sido há duzentos mil ciclos solares, dizem uns. Outros defendem que foi há mais de um milhão. Ninguém sabe ao certo.
Sh ainda é um mediano. Não tem direito a opinar abertamente, ao redor das poças de debate. Pode sorver algumas gotas de discussão, mas sua saliva ainda não alcançou o grau correto de salinização, por isso, está proibido de cuspir qualquer argumento na poça. Segundo seu pai, não falta muito. Um ou dois ciclos, no máximo. Sh interessa-se muito pelos humanos. Assiste a todas as discussões sobre o assunto. Quando sua saliva alcançar a composição ideal, cuspirá nas poças que ele acredita que os humanos deixaram o planeta há um milhão de anos em grandes máquinas voadoras, parecidas com os casulos que eles usam para visitar os planetas mais próximos. Não acredita que os humanos foram simplesmente extintos. Diverte-se quando algum pensador exótico cospe que os humanos não desapareceram. Apenas evoluíram para o que são seus irmãos, hoje. Geralmente, esses pensadores são ridicularizados e esquecidos.
Havia um local que Sh adorava visitar. Todas as manhãs, saía voando da caverna de seu pai. Pousava sobre um cogumelo vermelho e cumprimentava Th com um abano de suas asas. Th era um velho pensador, um dos maiores especialistas em seres humanos. Sh o admirava imensamente. Th gostava do entusiasmo de Sh e, todas as manhãs, cuspia alguma informação em um chifre e o entregava ao jovem, que engolia a cusparada excitado pela curiosidade.
Cada dia era uma surpresa. Naquela manhã, Th estava diferente. Não pegou o chifre para cuspir e entregar às garras trêmulas de emoção de Sh. Em vez disso, chamou-o, balançando suas asas enrugadas. Seus assistentes formavam um círculo sobre algo. Balançando as asas furiosamente, Th informou a seus assistentes que não se aproximassem tanto. Com isso, abriram espaço e Sh pôde ver.
O objeto havia sido descoberto por uma das tatuas. A espécie de Sh não tem habilidade para escavar. As tatuas, sim, e trabalham por muito pouco.
Os olhos de Sh arregalaram-se. Estava presenciando uma das maiores descobertas dos pensadores sobre os humanos. A argila do local havia preservado o objeto.
Era um saco plástico. Dentro, apenas um cartão plastificado, com uma imagem e símbolos. Símbolos!
Th pulava, cuspia e dançava. Ele estava certo. Aquele cartão provava isso. Os seres humanos usavam símbolos e o estímulo visual para transmitir seus conhecimentos. Os assistentes sentiam repulsa pela idéia logo que a tocavam com suas línguas.
Não havia a menor possibilidade de saberem o que dizia aquele cartão. Havia uma imagem. Uma cabeça? Muito provavelmente. Ali estavam os olhos. Pequenos. O nariz, estranho. A boca. Mas por que aquela representação específica, daquela parte do corpo, estava ali, naquele cartão com símbolos estranhos, permaneceria um mistério tão grande quanto todos os outros que envolviam o estudo humano.
As tatuas diziam que havia mais alguma coisa enterrada abaixo do local onde haviam descoberto aquele cartão, mas que levaria muito mais tempo para desenterrar. Th consentiu e pediu que começassem imediatamente.
Th tocava o cartão com sua língua, tentando conseguir alguma informação, mas nada vinha. Por fim, acabou guardando-o com todos os objetos preciosos que encontrara nas escavações daquele sítio. Compartilhou tudo o que aprendera com seus assistentes e com Sh e voltou ao trabalho.
Sh voou excitado para casa.
Logo, a carteira de motorista de Arnaldo seria exposta e discutida no próximo debate e Sh sonhava com o dia em que sua saliva estaria pronta para participar das discussões.
sábado, 22 de março de 2008
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